top of page

Por Articulação Metropolitana de Agricultura Urbana (AMAU)

Autores: Bruno Demétrio Pereira da Luz Tatiana Pimentel Fischer Fonseca Vivian Franchi Tofanelli

Em agosto de 2014, deu-se início a um trabalho junto aos moradores da Ocupação Vitória, localizada na região da Isidora, que visava fortalecer iniciativas de produção agroecológica existentes no território e fomentar ações de conservação ambiental no processo de ocupação do espaço.

A ação tem sido desenvolvida por integrantes da AMAU – Articulação Metropolitana de Agricultura Urbana, organização da sociedade civil que tem entre seus objetivos: ser um espaço permanente de diálogo e encontro de agricultoras/es urbana/os e familiares de grupos que desenvolvem ou apoiam iniciativas de agroecologia na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH); valorizar e interconectar iniciativas de agricultorxs da região, sobretudo os socialmente vulneráveis, fortalecendo o diálogo com o poder público; unir e fortalecer os parceiros na difusão e mobilização de ações que promovam segurança alimentar, economia solidária, auto-organização das mulheres, resgate e manutenção da agrobiodiversidade e dos saberes tradicionais.

O trabalho teve início com o mapeamento de moradora/es que já desenvolviam algum tipo de cultivo em seus quintais. Nesta etapa foi possível encontrar uma variedade riquíssima de alimentos: amendoim vermelho e roxo, uva branca, feijão andu, banana prata, jiló, berinjela, quiabo, alface, mostarda, coentro, feijão de corda, diversas pimentas, cebolinha, funcho, chuchu, abóbora, jaca, erva cidreira, hortelã, hortelã- pimenta, inhame, taioba, laranjinha quicã, maracujá, palma, alho, cebola, jiquiri, batata-doce, pau-brasil, mandioca, abóbora moranga, juá, mamão, tomate, quiabo-chifre-de-veado, milho, caju, limão, banana dedo-de-moça, banana ouro, banana açucarema, banana da terra, coco anão, melancia, laranja campista, laranja Bahia, almeirão, cana, lágrima de nossa senhora, taboa, jaborandi, cana de macaco, metiolate, capim meloso, carqueja, cenoura, beterraba,… Além da criação de animais como galinhas, codornas e tilápias. Um dos agricultores identificados relatou que chegou a colher chegou a colher sacas de arroz e feijão que consumiu ao longo de meses. Tem-se conhecimento de criadores de abelhas nativas próximo à região de mata.

Devido à grande extensão do território da Ocupação Vitória, a ação de mapeamento se desenvolveu utilizando técnicas de amostragem participativa, que permitiram acessar uma diversidade de realidades e indivíduos que desenvolvem algum tipo de atividade agrícola. Percebe-se, portanto, a potencialidade agrícola e ambiental da Ocupação Vitória.

Após a etapa de mapeamento, foi realizado o I Encontro dos Agricultores da Ocupação Vitória no dia 24 de agosto de 2014, onde esteve presente um número expressivo de participantes, dentre moradores e apoiadores das ocupações. Após um café da manhã coletivo, os participantes se apresentaram, dizendo seus nomes e lugares de origem, predominando o interior de Minas entre as respostas. Também responderam a pergunta “o que significa sua horta/terra pra você?” revelando conhecimentos sobre plantas medicinais e o sonho de se criar um espaço de saúde natural na comunidade; a perspectiva de criação de uma horta comunitária e uma casa de sementes; a gestão dos resíduos orgânicos. Uma moradora relatou como se curou da depressão ao ir morar na ocupação. Outra afirmou “Não gosto de apartamento, me sinto passarinho na gaiola. Aqui eu volto à minha infância”. Em outro momento foi discutida a sacralidade da água e a importância de preservá-la.

Por sugestão de um dos moradores, optou-se pela construção da horta comunitária como uma primeira ação. O acesso à água foi o primeiro entrave apresentado pelo coletivo. Decidiu-se cavar um poço para captação da água através de mutirões. A partir desta ação, deu-se início aos mutirões para construção da horta com a delimitação dos canteiros, realização de rodas de conversas sobre manejo adequado dos solos e plantios agroecológicos. Houve a participação de crianças, jovens e adultos, alguns com a mão na terra, outros preparando o lanche para o momento de confraternização. A promoção da integração entre diferentes faixas etárias é um aspecto que merece destaque dentre as potencialidades da interação com a terra e com o meio ambiente.

Uma parceria entre integrantes da AMAU e das Brigadas Populares (BP’s) resultou em um ciclo de oficinas agroecológicas realizadas no território da Ocupação Vitória. As oficinas foram realizadas nos quintais produtivos dos moradores participantes, tendo como temáticas: a gestão comunitária de resíduos orgânicos com ênfase na compostagem (12 e 26/4/15), o manejo agroecológico de solos e conservação ambiental (17/5/15), a adubação do solo sem o uso de fertilizantes químicos (31/5/15) e a propagação de plantas e agrobiodiversidade (14/6/15). O último módulo, controle ecológico de doenças e pragas, será realizado dia 5/6/15, juntamente com o encerramento deste primeiro ciclo de atividades. Este momento consistirá em uma avaliação junto aos participantes e exposição de vídeos sobre a diversidade de agriculturas existentes, acompanhados de caldos preparados com ingredientes colhidos nos quintais. A entrega dos certificados está programada para o dia 11/6/15, data em que se comemora o aniversário da ocupação.

A prática agrícola em meios urbanos não é novidade, apesar de apenas recentemente ter entrado nas pautas de discussões acadêmicas e institucionais. Desde a década de 1980, mesmo que de maneira incipiente, tal prática é tomada como uma resposta aos desafios colocados aos governos locais, responsáveis por criar ações públicas contra a fome e a pobreza urbana. É apontada também como capaz de contribuir para redução da mortalidade infantil, melhorar a saúde materna e assegurar o desenvolvimento ambiental (se há dados, citar fonte). Três argumentos tem sido invocados como incentivo às práticas de agricultura urbana em várias cidades do mundo ressaltando suas potencialidades para contribuir com a resolução de problemas sociais e ambientais urbanos – eles estão relacionados à promoção de um conceito de cidade que articule a cidade ecológica, a cidade produtiva e a cidade inclusiva.

Até a década de 1970, prevalecia entre os movimentos ambientalistas a ideia de oposição entre campo e cidade, sendo esta compreendida como elemento consumidor de recursos naturais e degradador do ambiente natural. A partir da década de 1980, passa-se a questionar a ideia de cidade como oposta ao ambiente natural, procurando pensá-la como um ecossistema, sujeito às trocas de matéria e energia.

A partir destas novas ideias, surgiram argumentos técnicos, de ordem ambiental, favoráveis ao cultivo de alimentos dentro das cidades e que sustentam a dimensão de cidade ecológica. São eles: a redução do consumo de combustíveis fósseis no transporte de alimentos, manutenção de áreas permeabilizadas, melhoria do clima local e da biodiversidade urbana.

Já a dimensão de cidade produtiva, coloca a agricultura urbana como uma alternativa plausível para o cultivo de alimentos para atender à população marginalizada e desnutrida em contextos de crises diversas. Aplica-se especialmente às políticas públicas voltadas para promoção de segurança alimentar e combate à pobreza urbana, além de ser uma atividade potencialmente geradora de renda através da comercialização dos produtos cultivados e processados. Com relação a este último aspecto, em geral esta comercialização se dá através de circuitos-curtos, forma de comercialização na qual há, no máximo, um intermediário entre o produtor e o consumidor, garantindo assim preços mais justos dentro da ótica da economia solidária.

Ressalta-se ainda a dimensão de promoção de saúde e empoderamento do indivíduo sobre sua própria realidade, ao ter acesso a alimentos saudáveis e livres de agrotóxicos, fato diretamente relacionado à prevenção de doenças. Por outro lado, é comum o cultivo de plantas medicinais para usos fitoterápicos, normalmente ministrados pelos “raizeiros”, hábito que vai na contramão do consumo de remédios caros, muitas vezes agressivos à saúde humana, e que também representa um alívio no tão sobrecarregado Sistema Único de Saúde (SUS).

Por fim, a agricultura urbana torna-se elemento de inclusão social na medida em que as iniciativas dos indivíduos e os saberes locais passam a ser valorizados e considerados elementos formadores de identidade cultural, mostrando que são diversos os desejos e as possibilidades de existência na cidade.

Uma forma historicamente encontrada pela população de baixa renda – nitidamente desfavorecida na disputa de forças dentro do território urbano – de poder sobreviver com um mínimo de dignidade e reproduzir seus hábitos, valores e práticas, é através das ocupações, podendo ser estas espontâneas ou previamente organizadas.

Suscita-se aqui a reflexão acerca da adequação do modelo de produção de habitação de interesse social colocado – Minha Casa, Minha Vida (MCMV) – à realidade dos sujeitos contemplados por esta política pública. Sem dúvida o MCMV constitui o programa social que mais construiu moradias para baixa renda no país, mas ele ainda peca ao dialogar com as práticas culturais de boa parte de seus beneficiários, que não tem outra opção que não apartamentos de 40 m2 ou nada. Política pública não é esmola, e sim direito. Há ainda um agravante: muitos dos agricultores são homens solteiros, não sendo enquadrados dentro dos critérios do MCMV, estando fadados a não conseguir nenhum tipo de casa própria. Qual solução o Estado apresenta para esses indivíduos?

 
 

Matéria publicada pelo Jornal O Tempo em 19/10/14. A reportagem contou com a colaboração dos pesquisadores do AUÊ! Nathan Itaborahy e Tatiana Fonseca. Confira!

***

Mesmo em uma grande cidade como Belo Horizonte, projeto aumenta número de plantações

PUBLICADO EM 19/10/14 – 04h00 Por BÁRBARA FERREIRA

A vida cada vez mais agitada das grandes cidades leva as pessoas ao consumo exagerado de alimentos industrializados e enlatados. Mas na contramão dessa tendência mundial, em meio a uma grande metrópole como Belo Horizonte, ainda existem locais onde que é possível plantar e colher o que a terra produz. Espalhadas por todas as regionais da cidade – e às vezes invisíveis para olhares apressados de quem passa por elas – funcionam 57 hortas comunitárias e 144 escolares na capital mineira. O programa é promovido pelo município, mas a direção desses espaços é baseada no conceito de comunidade e de autogestão. E a função é simples: promover o acesso a alimentos de qualidade e com preços baixos, principalmente para a população de baixa renda.

Os programas de hortas comunitárias e escolares e de incentivo à agricultura familiar na capital mineira foram destaque no relatório da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). O documento, intitulado “Cidades Mais Verdes na América Latina e no Caribe”, foi apresentado em abril, no Fórum Urbano Mundial, que aconteceu em Medellín, na Colômbia. Foram analisados 23 países, e, além de Belo Horizonte, outras nove cidades do continente foram selecionadas como modelo no que se refere à agricultura urbana e nas periferias de grandes centros. 

Desde que foram criados, em 1998, os dois programas têm evoluído. Nos últimos cinco anos, o número de hortas em escolas em Belo Horizonte passou de 93 para 144 (alta de 54%), e as comunitárias foram de 50 para 57, um aumento de 12,6%. 

São programas voltados tanto para a questão da alimentação saudável como para incentivar a produção e estímulo a práticas agroecológicas e sustentáveis. “Nas escolas, a intenção é promover essa produção para complementar a merenda escolar e como espaço interdisciplinar para o aprendizado das crianças. Já nas comunidades, além de ajudar na renda familiar, estimula a produção agroalimentar urbana e atende a população regional”, explica o gerente de Apoio à Produção e Comercialização de Alimentos da prefeitura, Sebastião Carlos de Lima. 

Os terrenos são da prefeitura, que, além disso, cede um técnico para dar suporte aos agricultores e arca com as despesas da água usada para irrigação. As sementes e insumos ficam a cargo dos próprios produtores. Já no caso das hortas escolares, como a finalidade é o uso dos alimentos para a merenda escolar da rede municipal, há também um subsídio para sementes, adubos e toda a estrutura da horta. 

Comunidade A aposentada Raquel Pereira dos Santos, 72, trabalha em uma das maiores hortas comunitárias da capital, na região do Barreiro, desde a sua implementação, em 2008. Ela conta que foi uma forma de encontrar a terra aqui, na cidade, mas que, às vezes, o trabalho em comunidade é um pouco complicado. 

“Cada um de nós tem parte do terreno da horta. No início, a ideia era fazer uma caixinha e dividir tudo o que fosse arrecadado, mas não funcionou. Hoje, cada um de nós fica com o que conseguiu vender, mas é responsável por reinvestir em seu canteiro”, explica a agricultora. Raquel nem se preocupa tanto com a venda, faz por amor, mas, segundo ela, a procura é constante, e grande parte da comunidade ao redor consome os produtos.


VEJA TAMBÉM


video

video


 
 

Seu Zé está em situação de rua há cerca de oito anos


Apesar da proximidade do metrô Armênia e da avenida Cruzeiro do Sul, a região da rua Porto Seguro lembra São Paulo antiga. São ruas repletas de pequenas casas, cortiços, bares, galpões e mercearias. A ausência de carros e prédios dá um ar nostálgico e melancólico ao local.

Dentro da Casa Porto Seguro, um centro de convivência para moradores de rua, é possível ver outra cena incomum da cidade. São homens trabalhando na terra, cuidando de uma horta. Com enxada e rastelo em punho, eles plantam sementes de alimentos que vão comer no futuro.


Anderson procura reabilitação social na casa de convivência

Anderson procura reabilitação social na casa de convivência


Plantando o futuro, esquecendo o passado 

José Alves dos Santos, 58, o “Seu Zé”, veste camisa social branca, calças e botas sujas de barro e está martelando os novos canteiros da horta. Enquanto isso, Anderson Araújo, 36, planta sementes de cenoura.

Os dois encontram-se em situação de rua. Seu Zé nasceu em Pombal, Paraíba, e trabalhou na construção civil por 28 anos. “Gastei todo o dinheiro que ganhei”, comenta. Anderson Araújo, 36, filho de italiano com baiana, nasceu em São Paulo, era feirante de frutas e, entre altas e baixas, frequenta a casa de convivência há 10 anos.

De repente, Seu Zé interrompe as brincadeiras e piadas. Ele crítica a maneira que as sementes são colocadas. “Sou exigente na hora de trabalhar”, explica.


Seu Zé tem que peneirar a terra seca que costuma ser utilizada em obras ou jardinagem

Seu Zé tem que peneirar a terra seca que costuma ser utilizada em obras ou jardinagem


Fica claro que ele é o cabeça da horta, que serve cenouras, cebolinhas, chás, tomatinhos, vagem entre outros legumes e verduras. Ela rende 5 dias de salada por mês para os mais de 150 conviventes do local – uma economia de R$ 200 mensais no fechamento das contas.

Não é apenas comida

Mas a salada não é o único benefício da horta. Seu Zé conta que é uma verdadeira terapia. “Na Paraíba eu trabalhava com terra. Aqui, esqueço as coisas erradas”, diz.

Para Anderson, a horta ajuda a refrescar a mente. “Tem dias que entro embaixo do pé de limão e xingo tudo. Fica tudo aqui. É bom se sujar de lama, lembra o interior”.

O educador Rodrigo Alves, 29, que acompanha tudo diz que o ambiente é diferente de uma sala de aula. “Aqui todo mundo sabe o que faz”, comenta.

E a tranquilidade do local impressiona. Durante todo o tempo, o silêncio é brevemente interrompido apenas pelos vagões do metrô e ônibus que passam distantes.

Sem agrotóxicos

Apesar de utilizar terra seca de construção, que precisa ser peneirada, a horta não utiliza agrotóxicos e é protegida por pés de tabaco e pelos cuidados dos conviventes.

A ideia é triplicar a produção com a instalação de jardins suspensos para hortaliças e com a terra de compostagem que a casa vai receber do programa Composta São Paulo, da Prefeitura.

Moradores de rua como protagonistas

Além da horta, a Caso Porto Seguro permite que os conviventes lavem suas roupas -em três dias por semana, devido ao racionamento de água-, façam higiene pessoal, tomem café da manhã e almocem.

Eles também podem participar de aulas de alfabetização, Ensino Fundamental e Médio, atividades de capoeira, xilogravura (que tem parceria com o Programa Extramuros da Pinacoteca), arte em mosaico com o lixo que é jogado da rua, yôga, entre outras.

Apesar de ser bancada por uma mantenedora evangélica, um convênio entre a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) e a Associação Evangélica Beneficente (AEB), não existe vínculo direto da religião nas atividades da casa – apenas um culto aos sábados que, como as outras atividades, não é obrigatório. A casa recebe homossexuais e usuários de drogas sem discriminação e realiza trabalhos de reinserção social.

Toda última sexta-feira do mês acontece uma assembleia na qual os conviventes e funcionários discutem os temas e decidem o futuro da casa. Além de regras, os encontros criaram um manual de conduta, que inclui até itens contrários à homofobia.

Dinei Spadoni, gestor da casa há 1 ano, explica que a casa tem propostas diferentes dos albergues. “As regras são decididas por eles. Não posso decidir nada sozinho. Eles precisam se apropriar e se reconhecer”, comenta o gestor.

Porém, decidiu retirar a televisão do local que, segundo ele, hipnotizava os frequentadores. “Eles têm que viver os conflitos e as brigas, não podem fugir”, comentou Dinei.

O sol do meio dia afasta o vento gelado do inverno de São Paulo, anunciando o almoço. Hora de experimentar a salada plantada no local.

 
 
bottom of page