top of page

IZIDORA: construção de uma cidade ecológica, produtiva e inclusiva

  • aueufmg
  • 23 de jun. de 2015
  • 6 min de leitura

Por Articulação Metropolitana de Agricultura Urbana (AMAU)

Autores: Bruno Demétrio Pereira da Luz Tatiana Pimentel Fischer Fonseca Vivian Franchi Tofanelli

Em agosto de 2014, deu-se início a um trabalho junto aos moradores da Ocupação Vitória, localizada na região da Isidora, que visava fortalecer iniciativas de produção agroecológica existentes no território e fomentar ações de conservação ambiental no processo de ocupação do espaço.

A ação tem sido desenvolvida por integrantes da AMAU – Articulação Metropolitana de Agricultura Urbana, organização da sociedade civil que tem entre seus objetivos: ser um espaço permanente de diálogo e encontro de agricultoras/es urbana/os e familiares de grupos que desenvolvem ou apoiam iniciativas de agroecologia na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH); valorizar e interconectar iniciativas de agricultorxs da região, sobretudo os socialmente vulneráveis, fortalecendo o diálogo com o poder público; unir e fortalecer os parceiros na difusão e mobilização de ações que promovam segurança alimentar, economia solidária, auto-organização das mulheres, resgate e manutenção da agrobiodiversidade e dos saberes tradicionais.

O trabalho teve início com o mapeamento de moradora/es que já desenvolviam algum tipo de cultivo em seus quintais. Nesta etapa foi possível encontrar uma variedade riquíssima de alimentos: amendoim vermelho e roxo, uva branca, feijão andu, banana prata, jiló, berinjela, quiabo, alface, mostarda, coentro, feijão de corda, diversas pimentas, cebolinha, funcho, chuchu, abóbora, jaca, erva cidreira, hortelã, hortelã- pimenta, inhame, taioba, laranjinha quicã, maracujá, palma, alho, cebola, jiquiri, batata-doce, pau-brasil, mandioca, abóbora moranga, juá, mamão, tomate, quiabo-chifre-de-veado, milho, caju, limão, banana dedo-de-moça, banana ouro, banana açucarema, banana da terra, coco anão, melancia, laranja campista, laranja Bahia, almeirão, cana, lágrima de nossa senhora, taboa, jaborandi, cana de macaco, metiolate, capim meloso, carqueja, cenoura, beterraba,… Além da criação de animais como galinhas, codornas e tilápias. Um dos agricultores identificados relatou que chegou a colher chegou a colher sacas de arroz e feijão que consumiu ao longo de meses. Tem-se conhecimento de criadores de abelhas nativas próximo à região de mata.

Devido à grande extensão do território da Ocupação Vitória, a ação de mapeamento se desenvolveu utilizando técnicas de amostragem participativa, que permitiram acessar uma diversidade de realidades e indivíduos que desenvolvem algum tipo de atividade agrícola. Percebe-se, portanto, a potencialidade agrícola e ambiental da Ocupação Vitória.

Após a etapa de mapeamento, foi realizado o I Encontro dos Agricultores da Ocupação Vitória no dia 24 de agosto de 2014, onde esteve presente um número expressivo de participantes, dentre moradores e apoiadores das ocupações. Após um café da manhã coletivo, os participantes se apresentaram, dizendo seus nomes e lugares de origem, predominando o interior de Minas entre as respostas. Também responderam a pergunta “o que significa sua horta/terra pra você?” revelando conhecimentos sobre plantas medicinais e o sonho de se criar um espaço de saúde natural na comunidade; a perspectiva de criação de uma horta comunitária e uma casa de sementes; a gestão dos resíduos orgânicos. Uma moradora relatou como se curou da depressão ao ir morar na ocupação. Outra afirmou “Não gosto de apartamento, me sinto passarinho na gaiola. Aqui eu volto à minha infância”. Em outro momento foi discutida a sacralidade da água e a importância de preservá-la.

Por sugestão de um dos moradores, optou-se pela construção da horta comunitária como uma primeira ação. O acesso à água foi o primeiro entrave apresentado pelo coletivo. Decidiu-se cavar um poço para captação da água através de mutirões. A partir desta ação, deu-se início aos mutirões para construção da horta com a delimitação dos canteiros, realização de rodas de conversas sobre manejo adequado dos solos e plantios agroecológicos. Houve a participação de crianças, jovens e adultos, alguns com a mão na terra, outros preparando o lanche para o momento de confraternização. A promoção da integração entre diferentes faixas etárias é um aspecto que merece destaque dentre as potencialidades da interação com a terra e com o meio ambiente.

Uma parceria entre integrantes da AMAU e das Brigadas Populares (BP’s) resultou em um ciclo de oficinas agroecológicas realizadas no território da Ocupação Vitória. As oficinas foram realizadas nos quintais produtivos dos moradores participantes, tendo como temáticas: a gestão comunitária de resíduos orgânicos com ênfase na compostagem (12 e 26/4/15), o manejo agroecológico de solos e conservação ambiental (17/5/15), a adubação do solo sem o uso de fertilizantes químicos (31/5/15) e a propagação de plantas e agrobiodiversidade (14/6/15). O último módulo, controle ecológico de doenças e pragas, será realizado dia 5/6/15, juntamente com o encerramento deste primeiro ciclo de atividades. Este momento consistirá em uma avaliação junto aos participantes e exposição de vídeos sobre a diversidade de agriculturas existentes, acompanhados de caldos preparados com ingredientes colhidos nos quintais. A entrega dos certificados está programada para o dia 11/6/15, data em que se comemora o aniversário da ocupação.

A prática agrícola em meios urbanos não é novidade, apesar de apenas recentemente ter entrado nas pautas de discussões acadêmicas e institucionais. Desde a década de 1980, mesmo que de maneira incipiente, tal prática é tomada como uma resposta aos desafios colocados aos governos locais, responsáveis por criar ações públicas contra a fome e a pobreza urbana. É apontada também como capaz de contribuir para redução da mortalidade infantil, melhorar a saúde materna e assegurar o desenvolvimento ambiental (se há dados, citar fonte). Três argumentos tem sido invocados como incentivo às práticas de agricultura urbana em várias cidades do mundo ressaltando suas potencialidades para contribuir com a resolução de problemas sociais e ambientais urbanos – eles estão relacionados à promoção de um conceito de cidade que articule a cidade ecológica, a cidade produtiva e a cidade inclusiva.

Até a década de 1970, prevalecia entre os movimentos ambientalistas a ideia de oposição entre campo e cidade, sendo esta compreendida como elemento consumidor de recursos naturais e degradador do ambiente natural. A partir da década de 1980, passa-se a questionar a ideia de cidade como oposta ao ambiente natural, procurando pensá-la como um ecossistema, sujeito às trocas de matéria e energia.

A partir destas novas ideias, surgiram argumentos técnicos, de ordem ambiental, favoráveis ao cultivo de alimentos dentro das cidades e que sustentam a dimensão de cidade ecológica. São eles: a redução do consumo de combustíveis fósseis no transporte de alimentos, manutenção de áreas permeabilizadas, melhoria do clima local e da biodiversidade urbana.

Já a dimensão de cidade produtiva, coloca a agricultura urbana como uma alternativa plausível para o cultivo de alimentos para atender à população marginalizada e desnutrida em contextos de crises diversas. Aplica-se especialmente às políticas públicas voltadas para promoção de segurança alimentar e combate à pobreza urbana, além de ser uma atividade potencialmente geradora de renda através da comercialização dos produtos cultivados e processados. Com relação a este último aspecto, em geral esta comercialização se dá através de circuitos-curtos, forma de comercialização na qual há, no máximo, um intermediário entre o produtor e o consumidor, garantindo assim preços mais justos dentro da ótica da economia solidária.

Ressalta-se ainda a dimensão de promoção de saúde e empoderamento do indivíduo sobre sua própria realidade, ao ter acesso a alimentos saudáveis e livres de agrotóxicos, fato diretamente relacionado à prevenção de doenças. Por outro lado, é comum o cultivo de plantas medicinais para usos fitoterápicos, normalmente ministrados pelos “raizeiros”, hábito que vai na contramão do consumo de remédios caros, muitas vezes agressivos à saúde humana, e que também representa um alívio no tão sobrecarregado Sistema Único de Saúde (SUS).

Por fim, a agricultura urbana torna-se elemento de inclusão social na medida em que as iniciativas dos indivíduos e os saberes locais passam a ser valorizados e considerados elementos formadores de identidade cultural, mostrando que são diversos os desejos e as possibilidades de existência na cidade.

Uma forma historicamente encontrada pela população de baixa renda – nitidamente desfavorecida na disputa de forças dentro do território urbano – de poder sobreviver com um mínimo de dignidade e reproduzir seus hábitos, valores e práticas, é através das ocupações, podendo ser estas espontâneas ou previamente organizadas.

Suscita-se aqui a reflexão acerca da adequação do modelo de produção de habitação de interesse social colocado – Minha Casa, Minha Vida (MCMV) – à realidade dos sujeitos contemplados por esta política pública. Sem dúvida o MCMV constitui o programa social que mais construiu moradias para baixa renda no país, mas ele ainda peca ao dialogar com as práticas culturais de boa parte de seus beneficiários, que não tem outra opção que não apartamentos de 40 m2 ou nada. Política pública não é esmola, e sim direito. Há ainda um agravante: muitos dos agricultores são homens solteiros, não sendo enquadrados dentro dos critérios do MCMV, estando fadados a não conseguir nenhum tipo de casa própria. Qual solução o Estado apresenta para esses indivíduos?

Comments


bottom of page